sábado, 14 de novembro de 2009

Dogtooth

Só fui ver um filme ao excelente festival de cinema do Estoril.
Num cartaz rico, encaixado numa cuidada e capaz organização, com várias e justas homenagens a "monstros sagrados", houve uma sinopse que me despertou toda a atenção.

O jornal Público descreve-o assim:
Dogtooth, a inquietante história de três irmãos – duas raparigas e um rapaz – que vivem numa casa rodeada por um muro alto, que literalmente os separa do mundo exterior. Nenhum deles faz a menor ideia do que está para lá da barreira, não sabem o que é um gato ou um telefone. São educados pela mãe, e só o pai sai de casa, para trabalhar".

Até onde pode um ser humano ir na sua loucura?
O que realmente nos faz falta?

De um egoísmo atroz, o filme é soberbo e parece-me que será ainda muito falado.
Tem cenas verdadeiramente divertidas (não somente aquelas em que um "fora de contexto" David Byrne ria de forma estridente e para todos ouvirem) e outras que não nos deixam sossegados na cadeira.

E a reacção da audiência que se manifesta horrorizada com um gato morto e não com uma cena de incesto?
Que nada diz numa cena de sexo oral explícito?

E depois chegou o Cronenberg e as super tias, os vestidos e os blazers aprumados, mas a magia já tinha acontecido.

sábado, 7 de novembro de 2009

Clarice Lispector

"Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar."

Clarice Lispector

(está a ser um vício descobrir-te, oh Clarice!)